O homem tem como dons inalienáveis a vida e a liberdade, dados por Deus e inerentes à consciência humana. Ambos são indissociavelmente vinculados, pois se orientam simultaneamente ao seu princípio e fim último, que é o Criador. Ao longo do seu crescimento, o ser humano experimenta o progressivo desvelamento da razão, que se vai apossando gradativamente da liberdade. A liberdade, um dos macroproblemas filosóficos e que se desdobra complexamente no âmbito teológico, é perpétuo objeto de reflexão nas sendas dos grandes pensadores da história. Unido ao problema da Liberdade e sua possibilidade concreta para o homem, está atrelada a questão da consciência humana, tomada por vezes como lugar inóspito e inacessível mesmo para o que a possui.
Todavia, a consciência deve ser tomada como lugar teológico, o que não anula a sua dimensão inequivocamente antropológica. O caráter subjetivo da consciência reserva a cada homem em particular uma relação única e inalienável consigo mesmo e com Deus, único Outro que tem acesso á consciência humana. Por isso, o Evangelho e o magistério da Igreja, como divinamente inspirados, falam à consciência do homem numa atitude de perene diálogo e interpelação, o que leva o homem a relacionar-se também consigo mesmo, principalmente diante dos mais frementes dilemas da sua existência.
A realidade dinâmica e complexa da consciência faz da sua dimensão moral uma “arena” de constantes conflitos, os quais englobam toda a realidade humana, especialmente no que tange à religião, o “numinoso”, como assinalava Jung. Educar a consciência moral, com efeito, é o campo específico da religião, enquanto instrumento de relação com o divino, aquele “Outro” misterioso que habita a consciência sem oprimi-la, respeitando sua liberdade. Diante de paradigmas e de dilemas que apelam à consciência moral, o homem se encontra em meio ao que Sartre chama “angústia” ou mesmo “náusea”, diante do estar ciente de que algo deve ser feito, uma decisão deve ser tomada, e mesmo escolher não tomar uma decisão é, em si, uma escolha: não há como fugir da própria consciência, tampouco ignorá-la, pois ela permanece dinâmica, “falante” e expressiva no íntimo do homem. A complexidade se encontra no risco de confundir uma escolha com uma orientação ou inspiração divina, quando as luzes de Deus sobre a consciência humana não tomam a sua liberdade de escolha, sob pena de violar uma lei imutável. Deus não se apossa da consciência humana, como que dominando suas faculdades, mas a inspira no bem, por ser o Sumo Bem.
Se Deus, ou mesmo o diabo, não são “dominadores” da consciência humana, sugere-se então a possibilidade de outros agentes a entorpecerem a consciência moral, e tais agentes seriam as paixões desordenadas, ou más inclinações arraigadas na condição humana. Se há na natureza humana a inclinação ao erro, por “contração” desde o princípio, e não por “infusão”, constata-se que são esses tais problemas a gerar o conflito entre o livre arbítrio e a orientação ao Bem, ambos próprios da consciência. Apenas desprendendo-se de uma situação cativa sob as paixões, a consciência encontra a genuína liberdade de decidir-se pelo Bem, ainda que confrontando perpetuamente as questões subjetivas da personalidade, em boa parte tendentes a perder-se nas paixões. Tal é o mistério da consciência humana, que a torna digna não só da reflexão teológica; é digna de ser “terra de Deus”.
Arley Patrik Chaves – 2º ano de Teologia
Seminário Diocesano N. Sra. Do Rosário – Caratinga